Mais que jogo da Baleia Azul, álcool provoca suicídio entre jovens

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A BALEIA AZUL, O SUICÍDIO E O ÁLCOOL ENTRE OS NOSSOS JOVENS

Foto: Marcelo Camargo: Agência Brasil

Há razões para que pais fiquem aflitos com o jogo da Baleia Azul, apesar de fake, e com a série “13 reasons why”, apesar de ficção. O suicídio cresce no mundo todo, principalmente entre os jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio. São 800 mil pessoas, a cada ano, que tiram a própria vida no mundo. E para cada caso fatal há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas.

A OMS reconhece o suicídio como uma prioridade de saúde pública. O primeiro relatório da organização sobre o assunto, “Prevenção do suicídio: um imperativo global”, publicado em 2014, incentiva os países a desenvolver ou reforçar estratégias de prevenção com abordagem multisetorial. Mas, segundo a organização, poucos países incluíram a prevenção ao suicídio entre suas prioridades de saúde e só 28 relatam possuir uma estratégia nacional para isso.

Um total de 1,3 milhão de pessoas de 15 a 29 anos morrem no mundo anualmente vítimas de causas evitáveis ou tratáveis, sendo a principal delas os acidentes de trânsito (11,6% do total). O suicídio fica em segundo lugar, responsável por 7,3% das mortes.

MORTES VIOLENTAS

A mortalidade é dividida em 2 grandes grupos: o das mortes naturais e o das violentas. Diferentemente das chamadas causas naturais, relacionadas à deterioração do organismo ou da saúde devido a doenças e/ou ao envelhecimento, as causas externas remetem a fatores independentes do organismo humano levando à morte do indivíduo.

As causas externas de mortalidade vêm crescendo de forma assustadora nas últimas décadas no Brasil: se, em 1980 representavam 6,7% do total de óbitos na faixa de 0 a 19 anos de idade, em 2013 a participação elevou-se de forma preocupante: atingiu o patamar de 29%. Tal é o peso das causas externas, que em 2013 foram responsáveis por 56,6%– acima da metade– do total de mortes na faixa de 1 a 19 anos de idade. No mesmo período, os acidentes de transporte passaram de 2% para 6,9% e os suicídios de 0,2% para 1,0%.

Na faixa dos 16 e 17 anos, segundo o Mapa da Violência 2015 – Adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil, o crescimento dos acidentes de transporte no período 1980/2013 foi de 38,3%. A taxa de suicídios subiu de 2,8 por 100 mil para 4,1 nessa faixa etária: um aumento inquietante de 45,5%.

AÇÃO DE COMBATE

O suicídio é uma das condições prioritárias do mhGAP (Mental Health Gap Action Programme), programa de saúde mental da OMS, que fornece aos países orientação técnica baseada em evidências para ampliar a prestação de serviços e cuidados para transtornos mentais e de uso de substâncias. No Plano de Ação de Saúde Mental 2013-2020, os Estados-Membros da OMS se comprometeram a trabalhar o objetivo global de reduzir as taxas de suicídios dos países em 10% até 2020.

São duas as intervenções baseadas em evidências para abordar o suicídio, segundo o documento: restrição do acesso a métodos comuns de suicídio e prevenção e tratamento da depressão e dependência de álcool e drogas. Seja isoladamente ou em uma combinação de fatores, cerca de 2 terços de todas as pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão ou alcoolismo.

O ÁLCOOL É O MAIOR PROMOTOR DO AUMENTO DE SUICÍDIOS E ACIDENTES DE TRÂNSITO

Será mera coincidência que o número de mortes violentas entre nossos jovens esteja subindo de forma assustadora enquanto a ingestão de álcool também se alastra entre eles? O uso de bebidas alcoólicas por menores de idade está relacionado ao maior número de óbitos de jovens do que todas as drogas ilegais somadas.

Mais de 40% das vítimas fatais de acidentes de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo entre junho de 2014 e dezembro de 2015 haviam consumido álcool nas horas que antecederam a morte. Se considerados apenas os dados de motoristas e passageiros dos veículos –e excluídos, portanto, os dos pedestres atingidos– o índice chega a quase 60%, revela pesquisa realizada com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Os dados foram publicados esta semana na revista Addiction.

De acordo com o NIAAA (Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo), nos Estados Unidos a prevalência de acidentes automobilísticos fatais associados ao álcool entre jovens dos 16 aos 20 anos é mais do que o dobro da prevalência encontrada entre os maiores de 21 anos. O alcoolismo, particularmente na presença da depressão e de perturbações da personalidade, também pode aumentar o risco de suicídio. Em 90% dos casos de morte de crianças e adolescentes por suicídio, foi identificado como causa algum tipo de perturbação mental, sendo os diagnósticos mais comuns as perturbações do humor, perturbações da ansiedade, abuso de substâncias e perturbações comportamentais do funcionamento social.

Estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em um pronto-socorro de Embu das Artes, na Grande São Paulo, constatou a ingestão de álcool até seis horas antes em 21% dos 80 casos de tentativa de suicídio atendidos.

O estudo “Uso Adolescente de Substância e Comportamento Suicida: Uma Revisão com Implicações para Pesquisa em Tratamento” explora a relação entre o uso de substâncias e o comportamento suicida em adolescentes, demonstrando que o uso de substâncias aumenta o risco de comportamentos suicidas, sendo que os adolescentes suicidas apresentavam elevadas taxas de uso de álcool e drogas ilícitas.

Entre os adolescentes de 16 anos e mais velhos, o álcool e o abuso de substâncias aumentam significativamente o risco de suicídio em tempos de sofrimento, segundo a cartilha anual de recomendação para a prevenção do suicídio da OMS. O álcool aumenta a impulsividade e, com isso, o risco de suicídio, de acordo com o manual de prevenção do suicídio para profissionais das equipes de saúde mental do Ministério da Saúde.

O consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes compromete o sistema nervoso central (SNC), que ainda se encontra em desenvolvimento. Desta maneira, suas vias neuronais podem se tornar mais suscetíveis aos danos causados pelo álcool, podendo levar ao comprometimento de várias funções. Sob os efeitos do álcool, os jovens ficam mais propensos a comportamentos de risco –incluindo brigas, sexo desprotegido ou não consensual, acidentes automobilísticos e suicídio.

Dados da PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) de 2015 realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que, entre alunos de 13 a 15 anos, a experimentação de álcool subiu de 50,3% em 2012 para 55,5% em 2015. Além disso, 21,4% desses adolescentes relataram já terem sofrido algum episódio de embriaguez na vida. A pesquisa mostrou também que meninas dessa faixa etária estão bebendo mais que os meninos, sendo que a taxa de experimentação de álcool é maior entre elas (56,1% vs. 54,8%) e também o uso de álcool nos últimos 30 dias (25,1% vs. 22,5%).

Em 2016, o Erica (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes) avaliou 74.589 adolescentes de 1.247 escolas em 124 municípios brasileiros. Cerca de 20% dos adolescentes consumiram bebidas alcoólicas pelo menos uma vez nos últimos 30 dias e, desses, aproximadamente 2/3 o fizeram em uma ou duas ocasiões no período. Entre os adolescentes que consumiam bebidas alcoólicas, 24,1% beberam pela primeira vez antes de 12 anos de idade.

Seja fake ou ficção, agradeço à baleia azul e à Hannah Baker por nos fazerem discutir o que realmente tem nos arrancado a vida de tantos jovens.

Fonte:

Arthur Guerra

Arthur Guerra de Andrade, 62 anos, é graduado em medicina pela Faculdade de Medicina do ABC, na qual é professor Titular de Psicologia Médica e Psiquiatria. Fez o pós-doutorado na Johns Hopkins University (EUA). É professor Associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e coordenador do GREA (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP). Atua em duas ONGs como Presidente Executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), e do International Council on Alcohol and Addictions (ICAA).

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