Em defesa dos grupos de apoio a dependentes químicos e alcoólatras

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A dependência química é um mal terrível – e quem a enfrenta, seja na condição de dependente, seja na condição de familiar, sabe bem do que estou falando. Nessa batalha, toda ajuda não é apenas bem-vinda, mas imprescindível.

É por isso que não consigo entender a razão pela qual, volta e meia, alguém dedique tempo e recursos para atacar os grupos de apoio, como é o caso, dentre outros, do mais antigo deles, Alcoólicos Anônimos. As críticas, dessa vez, são da jornalista Gabrielle Glaser, que, em entrevista publicada pela revista Época desta semana, diz que o AA criou uma “indústria” de US$ 35 bilhões apenas nos Estados Unidos e que “ganha” com o problema.

Acho estranho que alguém ataque a abstinência como solução para a doença do alcoolismo, ao mesmo em tempo em que propagandeia que o certo, para esses doentes, seria beber menos, mas desde que tomando um certo remédio chamado Naltrexona. Pergunto-me se a “ciência” do remédio milagroso, que tudo cura e custa caro, vale também para o consumo moderado de crack ou para que o diabético possa comer açúcar.

No Brasil, conhecemos bem as consequências das relações vergonhosas entre governo e empresas. Mas isso não é exclusividade nossa: para ficar num exemplo norte-americano, lembremos que tragédia da heroína (que, por lá, mata mais pessoas por ano do que uma guerra do Vietnã) começou quando a indústria farmacêutica impôs seus interesses acima dos da sociedade.

De qualquer modo, me parece evidente que a jornalista não sabe – ou não quer saber – como funcionam esses grupos.

Em primeiro lugar, quem procura um desses grupos de apoio o faz não para encontrar uma religião, mas para salvar a vida (a própria ou a de alguém querido). Quando estive à beira da morte lenta e vergonhosa, fui bater às portas de AA e, sinceramente, religião era coisa que passava longe, mas muito longe de minha cabeça. E se ainda hoje, após mais de 21 anos de abstinência, frequento as salas de Amor-Exigente é porque não quero voltar ao inferno – e, com sorte, quem sabe, evitar que meus filhos passem pelo que passei. Quando procuro religião, vou onde ela é ministrada.

Em segundo lugar, AA, Narcóticos Anônimos, Al-Anon, Nar-Anon e Amor-Exigente são grupos gratuitos – e não são donos de clínicas ou comunidades terapêuticas. Há proprietários de clínicas lá? Sim, assim como há operários, advogados, garçons, engenheiros, camelôs, médicos e desempregados.

Em terceiro lugar, a crítica ignora que a força desses grupos está numa só palavra: voluntariado. Há milhões de pessoas no mundo que, anônima e gratuitamente, trabalham para que outras possam voltar a ter uma vida digna e produtiva – e o fazem pelo simples fato de que perceberam que as primeiras a serem ajudadas são elas próprias.

São grupos que, longe de merecer qualquer ataque, precisam ser fortalecidos, inclusive com o apoio do Estado.

Paulo Leme Filho é advogado, fundador do Movimento Vale a Pena, organização que atua na conscientização sobre abuso de álcool e outras drogas, é autor de A Doença do Alcoolismo e teve a própria história narrada no livro Vai Valer a Pena, além de palestrante e cofundador do Elo Movimento, organização que monitora o desempenho do Poder Público.

1 comentário


  1. Entendi perfeitamente a crítica. O AA por mais que tente negar trata-se de um grupo religioso. Não podem ter ateus alcoolatras querendo se tratar? Tem que crer em uma força superior? Ótimo se para alguns funciona, mas e quem não acredita em alma, deus ou qualquer sobrenatural?

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