Ingestão de álcool pode provocar alterações no DNA, alertam cientistas

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A falta de controle no consumo de álcool pode modificar a molécula que carrega as informações genéticas de um indivíduo, alerta um grupo de cientistas americanos. Eles analisaram dois genes envolvidos na ingestão da substância e identificaram alterações significativas em ambas as estruturas de voluntários que bebiam em excesso. Além disso, os investigadores observaram que essas mudanças no DNA estão relacionadas ao maior desejo de beber, criando uma espécie de círculo vicioso. Os dados foram apresentados na última edição da revista especializada Alcoholism: Clinical & Experimental Research. 

Os autores do estudo analisam os efeitos do álcool no organismo humano há 29 anos. “Nossas pesquisas, assim como muitas outras nesse campo de investigação, identificaram que essa sustância não está apenas nos dando prazer, mas afetando lentamente nossa composição celular de forma prejudicial, o que leva ao desenvolvimento da tolerância, da dependência e também de muitas patologias”, conta ao Correio Dipak K. Sarkar, professor na Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, e um dos autores do trabalho.

A investigação atual concentra-se em dois genes relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas: o PER2, que influencia o relógio biológico do corpo, e o POMC, que regula o sistema de resposta ao estresse. Ao comparar grupos de bebedores moderados, compulsivos e pesados (que podem desenvolver cirrose), os pesquisadores descobriram alterações nos genes de integrantes dos dois últimos grupos. As mudanças ocorreram por meio de metilação, fenômeno responsável por silenciar a expressão desses genes. Quanto maior a ingestão de álcool, maiores as modificações identificadas.

Em um segundo experimento, bebedores tiveram contato com imagens relacionadas a situações de estresse, neutras ou à ingestão de álcool. Em seguida, foram apresentados a eles recipientes de cerveja, e os participantes puderam prová-la. Os cientistas avaliaram a motivação para beber dos participantes e concluíram que as mudanças provocadas pelo álcool nos genes de bebedores compulsivos e pesados estavam associadas a um desejo maior pela ingestão da substância. “Descobrimos que as pessoas que bebem muito podem estar mudando o seu DNA de uma forma que as faz desejar ainda mais o álcool”, frisa Sarkar. “Isso pode ajudar a explicar por que o alcoolismo é um vício tão poderoso.”

Influência ambiental

Para Graziele Paronetto, médica geneticista da clínica de Reprodução Humana FertilCare, em Brasília, a pesquisa traz dados novos para uma suspeita antiga. “Esperávamos que o álcool pudesse influenciar a forma como o DNA se expressa, mas, nesse estudo, que usou dois genes relacionados ao comportamento de consumo da substância, observamos de forma ainda mais detalhada como os fatores ambientais, como a bebida, podem influenciar a genética”, diz.

A geneticista ressalta que novas pesquisas são necessárias para confirmar os dados identificados. “Não podemos usar essas informações como base para exames, por exemplo. Ainda é necessário mais esclarecimentos quanto a esse tema”, ressalta.  Graziele Paronetto também chama a atenção para o fato de os genes analisados serem essenciais para entender a reação do organismo à ingestão de álcool. “Eles estão relacionados ao ciclo circadiano e também à forma como lidamos com situações de estresse. São genes de defesa, mas o consumo do álcool pode silenciar essa resposta protetiva, retirar esse mecanismo e, com isso, a pessoa pode passar a reutilizar a substância na tentativa de lidar com o seu estresse emocional”, detalha.

Clínica

Os pesquisadores americanos acreditam que o resultado do trabalho possa ajudar na identificação de biomarcadores — indicadores mensuráveis, como proteínas ou genes modificados —, a serem usados na previsão do risco de um indivíduo beber compulsivamente ou pesadamente. “Isso pode, um dia, contribuir para novas formas de tratar o alcoolismo ou ajudar a evitar que pessoas em risco se tornem dependentes. Por isso, continuaremos trabalhando para o desenvolvimento de biomarcadores”, adianta Dipak K. Sarkar.
“Todos esses estudos têm um objetivo em comum: entender como funciona a dependência e, dessa forma, criar maneiras de conseguir predizer se uma pessoa pode ter mais riscos de sofrer com esse problema”, frisa a geneticista Graziele Paronetto. “Seria muito positivo se esses exames pudessem ser usados de maneira rotineira, mas ainda precisamos de mais análises cuidadosas, que nos esclareçam esses efeitos causados pela bebida nos genes.”


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